No dia em que a selecção nacional demonstrou, uma vez mais, que não é uma equipa mas somente um conjunto de jogadores que vão do extraordinário até ao banal, saiu no CM (onde poderia ser?!) a notícia do dia: 2 anos após a palhaçada do túnel da Luz, pela qual já pagamos com juros que se provou serem excessivos para o “crime” cometido, vários jogadores do FCP são acusados pelo Ministério Público pela prática de agressões e, caso venham a ser condenados, incorrem em penas na ordem dos 3 a 5 anos de prisão efectiva.
Existe neste rigor justiceiro algo que me transcende e me espanta. Já sabíamos que a justiça portuguesa tratava diferentemente os crimes ligados ao futebol consoante ocorriam a norte ou sul do Mondego, que um apedrejamento de uma comitiva do FCP era um mero episódio lamentável e que igual situação ocorrida com a seita benfiquista era uma intolerável agressão bárbara. Sabíamos também que a senhora que borra os olhos em lugar de os pintar tinha uma predilecção especial pelo nosso clube e pelos seus dirigentes. Mas nunca pensei que, de entre as dezenas ou centenas de casos de agressões que ocorreram dentro e nas imediações dos campos de futebol nos últimos 2 anos, o caso do túnel da Luz fosse o único que merecesse tratamento judicial.
Está bom de ver, em linguagem futebolística, que existe uma gritante dualidade de critérios. O PC já referiu o caso do Chokolari e do safanão ao jogador adversário, transmitido em directo e com direito a repetições, mas ocorrem-me muitos outros, entre os quais algumas cenas lamentáveis envolvendo a trupe vermelhusca (dirigentes, jogadores, treinador e até capangas em serviço no Aeroporto). Quero com isto dizer que, se algum jogador for detido por dar uns sopapos no calor das disputas futebolísticas (seja ele do Porto ou do Desportivo de Olivais Sul), depois das ausências por lesão, suspensão, atraso na inscrição e afins, os planteis terão que passar a ser construídos de molde a acomodar também as penas de prisão – porque vão ser muitas e costumeiras, excepto se a moldura penal excluir jogadores que atuam de vermelho e com um milhafre ao peito e for condição agravante vestir de azul e branco.
Num país onde as grandes tramóias acabam, invariavelmente, por passar incólumes graças a expedientes de arrasto e consequentes prescrições, onde um trafulha que foi condenado foge para um país da UE e ali vive principescamente sem que seja extraditado, onde um padre pedófilo escapa para o Brasil com a maior das facilidades e só a arraia miúda vai dentro, as nossas autoridades não encontram melhor finalidade para o seu precioso tempo que não seja acusar alguns jogadores da bola (por mero acaso, do FCP…) de terem agredido uns seguranças do clube adversário, ameaçando com penas de 5 anos.
Só para termos a noção desta enormidade, relembro as penas de um caso tristemente célebre, que envolveu alguns senhores da mouraria:
* Carlos Silvino 18 anos;
* Carlos Cruz 7 anos;
* Ferreira Dinis 7 anos;
* Jorge Ritto 6 anos e 8 meses;
* Hugo Marçal 6 anos e 2 meses;
* Manuel Abrantes 5 anos e 9 meses.
Ou seja, exceptuando o bronco de serviço e mais pobretanas dos condenados, as penas atribuídas por múltiplos crimes sexuais cometidos sobre crianças e jovens adolescentes desprotegidos são muito semelhantes às que vão enfrentar 5 jogadores da bola que se terão passado dos carretos num ambiente adverso e agredido uns senhores que, por certo, se terão dirigido a eles em termos muito respeitosos e afectuosos.
Que a comunicação social nos trate de maneira diferente, acho miserável mas percebo o que os move: dizer o que interessa ouvir aos 6 milhões de otários. Que a justiça desportiva se incline quase sempre para norte, repugna-me mas o prejuízo fica circunscrito ao fenómeno futebolístico. Mas quando a polícia, o Ministério Público e mais seja lá quem for pago com os meus impostos, alegadamente ao serviço do Estado de Direito que é suposto ser Portugal, se empenha neste tipo de palhaçada, então o caso é grave. Não estamos a falar de futebol – está em causa a forma como o Direito é selectivamente aplicado. E quem move estas montanhas por uma causa futebolística é capaz de muito pior para fazer valer outras causas.